O consolo da fé em momentos de desesperança
Em tempos de incerteza e dor, a crença oferece apoio emocional aos fiéis, que encontram na Sala das Promessas um conforto na busca pelo milagre
Por: Amanda Ávila

Em momentos de desespero, a fé surge como um refúgio emocional. Para muitos fiéis, a crença em milagres e a prática de fazer promessas é uma fonte de esperança e força, ajudando a enfrentar os desafios mais difíceis da vida. No Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo, a Sala das Promessas, também conhecida como Sala dos Milagres, testemunha diariamente histórias de superação e gratidão.
A Sala das Promessas, localizada no subsolo da basílica, recebe cerca de 19 mil objetos que servem de agradecimento aos milagres recebidos após terem feito promessas, ou como um pedido para uma promessa – os chamados ex-votos. No mês de outubro, quando ocorre a peregrinação dos devotos até Aparecida, esse número chega a 30 mil.
Em meio a tantos objetos, há uma vitrine onde são expostos os ex-votos de pessoas famosas e figuras relevantes do país. Lá por exemplo estão um capacete de Ayrton Senna, um chapéu do cantor Daniel, e até uma camisa de Ronaldo da Copa do Mundo de 2002, vencida pelo Brasil. E muitos, muitos outros.
A diferença entre eles, no entanto, não existe. Todos são por agradecimento. Para Maria Izabela da Silva, líder da Sala das Promessas, esses objetos deixados por famosos ou por fiéis anônimos transmitem os ensinamentos mais importantes da sala. “Ao mesmo tempo que tem o chapéu de um cantor muito famoso, tem um terço que uma senhora do interior de Minas trouxe e está exposto ali, né? Isso mostra pra como a fé nivela as pessoas”, afirma.
Milagres e devoção
Mas o trabalho realizado no local vai muito além de apenas recolher os ex-votos. Segundo Maria Izabela, é preciso muito cuidado e carinho na hora de receber os objetos, pois se trata da materialização da fé dos devotos. Ela também compartilha uma história que, para ela, traduz o trabalho realizado no local.
“Um pouquinho antes da novena, veio uma família que deixou diversos objetos de alguém chamado Gabriel. Então, a moça pegou o boné que havia trazido, deu um cheirinho nele, como uma mãe faz com o filho, e disse, 'Esse é o boné que ele estava usando na hora. É a última lembrança que eu tenho dele.' E me entregou. Quando ela fez isso, começou a chorar muito, e eu tremia ao segurar, porque percebi que esse Gabriel, pelo carinho com que ela falava, devia ser um filho ou neto, e acredito que ele tenha falecido”, relembra. “Todas as lembranças que ela estava deixando eram as últimas que tinha dele. Foi muito emocionante, porque as lembranças de quem partiu são algo muito valioso, e entregá-las assim para alguém é algo muito forte", conta a responsável pelo local.
Devota de Nossa Senhora Aparecida, Jaqueline Ribeiro do Nascimento fez sua primeira romaria em 2022, como uma promessa a uma situação difícil dentro de casa. “Eu tenho uma sobrinha que foi picada por um escorpião e acabou internada. Ela ficou em estado grave, desacordada por alguns dias, em coma. Eu decidi fazer essa caminhada e levei uma peça de roupa dela para colocar na Sala dos Milagres”, afirma. “Assim que cheguei lá, a mãe dela me ligou por vídeo, dizendo que ela tinha acordado e saído do coma. Nossa, foi a primeira vez que fiz a caminhada, e desde então não parei mais. Estou indo para o quarto ano agora", diz a devota.
Jaqueline conta que realizar a caminhada da fé, apesar de ser uma missão trabalhosa, vale cada dor muscular. E que depois da primeira romaria, não existe uma última.
“Independentemente de ter promessas para pagar ou algo a pedir, a experiência é revigorante; renova a fé, renova as energias e deixa você preparado para um novo ciclo, uma nova caminhada. Chegar lá e ver a igreja traz a sensação de missão cumprida, sabe? É sensacional, não dá para explicar. E, então, você para e pensa: 'Eu voltaria de novo. Eu faria de novo. Foi difícil, mas eu faria de novo”, destaca.
Coletividade em prol da fé
De acordo com o Prof. Me e Dr. Régis De Toledo Souza, no processo ritual de cura três elementos são essenciais. Primeiro, é preciso acreditar na possibilidade – o que move tantos fiéis na busca pelos milagres. Segundo, o mediador da cura — que pode ser um pastor, padre, mestre ou outro líder espiritual — deve ser reconhecido como alguém que efetivamente realiza esse contato consagrado. E por fim, é necessário haver um consenso social, um aceite por parte da comunidade, de que esse processo de cura é válido e eficiente.
“A coletividade é importante para que se realize essa condição de fé dentro da perspectiva do indivíduo. Não é só pensar isso na perspectiva muito contemporânea do individualismo, mas sim compartilhar o coletivo desse ato de fé, nessa perspectiva a Sala dos Milagres em Aparecida é um espaço em que isso se materializa. Essa experiência histórica, cultural e individual se apresenta naquele espaço”, afirma.
Para o professor, o poder emocional de uma promessa está diretamente conectado à dimensão da crise e à motivação. “Quando o sujeito se mobiliza para fazer uma promessa, ele está passando por um momento de crise muito particular. Não se faz uma promessa em qualquer fase da vida. Esse ato traz consigo tanto a condição de esperançar, como um movimento de enfrentamento das condições objetivas da vida. A esperança, nesse sentido, surge como uma força que impulsiona o sujeito a se mobilizar diante dos desafios que enfrenta”, conclui Régis.
A Sala das Promessas é aberta diariamente, das 6h às 18h, oferecendo um espaço acolhedor para os devotos. Para muitos, este local é um símbolo de esperança e gratidão, onde as promessas se tornam testemunhos de fé e superação.
